Poesias Gaúchas


ANITA GARIBALDI


Foi no Rinção dos Morrinhos
que viveu a meninice.
Adolescente campeira,
lutando contra a mesmice;
e logo aos quatorze anos
casou-se com faceirice.

A Aninha do Bentão
tornou-se bela mulher.
Infeliz no casamento,
sem ter um filho sequer;
foi na República Juliana
que alcançou o seu mister.

O destino faz, às vezes,
soberbas demonstrações,
ao cruzar olhares perdidos
e unindo dois corações;
Garibaldi viu Anita:
mar revolto de emoções.

O amor nunca se ancora,
e o mar "largo" tem infinito.
Foi a bordo do Rio Pardo
que deu início ao seu rito;
guerreira audaz e valente,
coragem sem manuscrito.

Cruzou o Santa Vitória
ao Capão da Mortandade;
trazendo um filho no ventre,
perdeu sua liberdade.
Fez da fuga uma epopéia,
pela sua dificuldade.

Findado o sonho farrapo,
havia que seguir peleando;
pro Uruguai foi de muda,
na guerra perseverando;
Garibaldi no combate,
Anita os filhos criando.

Cruzou os mares para a Europa
à espera do consorte,
levando filhos e planos,
para criar a Itália forte,
sem saber que perderia
a última luta pra morte.

Restou à história de Anita
seu valor à liberdade.
Mulher guerreira, bonita,
sua pátria guarda saudade;
figura mãe, és bendita,
conheci tua verdade.

Heroína, peregrina,
força-luz de todo o mundo;
sua vida não se finda,
embora o sonho profundo;
queria saber, ainda,
qual o teu verdadeiro mundo.

Dizem que Anita é lageana;
penso que sim, há razão;
viveu nos campos da serra,
defendendo seu torrão.
Se aqui derramou seu sangue,
pra cumprir bem a missão,
por aqui fincou raízes,
aqui sofreu seu coração!

                      Autor: Zauri Tiaraju de Castro

CHIMARRÃO
Amargo-doce que eu sorvo,
num beijo em lábios de prata,
tens o perfume da mata,
molhada pelo sereno;
e a cuia, seio moreno,
que passa de mão em mão,
traduz no meu chimarrão,
em sua simplicidade,
a velha hospitalidade
da gente do meu rincão.

Trazes à minha lembrança,
nesse teu sabor selvagem,
a mística beberagem
do feiticeiro charrua,
e o perfil da lança nua,
apontando, firme, a trilha
por onde rolou a história
empoeirada de glória
da Tradição Farroupilha.

Em teus últimos arrancos,
no ronco do teu findar,
ouço um potro corcovear
na imensidão deste Pampa;
e em minha mente se estampa,
reboando dos confins,
a voz febril de clarins
repinicando “Avançar!”.

Então, me fico a pensar,
apertando o lábio, assim,
que o amargo que está no fim,
que a seiva forte que eu sinto,
é o sangue de 35
que volta, verde, pra mim!

  Autor: Glaucus Saraiva

Tempo, Raça e Tradição

Sou daqueles que sonham com a liberdade,
a semente plantada por meus ancestrais;
sou memória de um tempo que ficou pra trás,
sou guardião de uma história de guerra por paz.

Sou a promessa segura do trigo maduro,
de ser pão sobre a mesa nos dias que vêm;
sou o passado, presente em nosso futuro;
sou a herança de um povo que sonha, também.

Eu sou a terra, sou raiz. Eu sou a essência;
toda minha força brota dessa descendência.
Eu sou o hoje, encilhado no passado,
mas com o laço atirado na direção da querência.

Meu canto é pampa, tempo, raça e tradição;
pilchei minha vida junto a um fogo de chão.
Talvez, falando deste amor por minha terra,
eu possa ensinar aos outros a amar nossa nação.

Tenho medo do tempo, que fácil se vai,
que não deixa pegadas e apaga os sinais.
Legendário é o tempo que cria raízes,
que faz ninho na alma e deixa cicatrizes.

Tradição é uma estrada comprida, sem fim;
mas conheço um atalho, bem ao sul de mim,
caminho que um dia meu filho cruzará,
plantando a semente que de mim herdará.

Eu sou a terra, sou raiz. Eu sou a essência;
toda minha força brota dessa descendência.
Eu sou o hoje, encilhado no passado,
mas com o laço atirado na direção da querência.

Meu canto é pampa, tempo, raça e tradição;
pilchei minha vida junto a um fogo de chão.
Talvez, falando deste amor por minha terra,
eu possa ensinar aos outros a amar nossa nação!

Autor: Maria Beatriz Magalhães Santos

AMOR À TERRA


Quando a noite
a chorar se finda,
a esvair-se linda
atrás do horizonte,
vem o sol brindando,
acordando as flores,
transcendendo em cores,
colorindo os montes!

Vem tecendo rendas
de luz e poeira,
entre as macieiras
lá do meu pomar,
onde o sabiá
afina a garganta
e a natureza encanta
com o seu cantar!

E o salso-chorão,
à beira da lagoa,
vai sorrindo à toa
vendo o sol brilhar,
balançando os galhos
ao sabor da brisa,
que feliz desliza
pra lá e pra cá...

E as águas claras
correm murmurando,
com o vento entoando
canções de ninar,
embalando a mata,
que dorme quietinha,
onde as andorinhas
vêm pra descansar!

E nesse cenário,
que enfeita a vida,
paro comovida
a te contemplar;
e no verde altar
desta terra amada,
minh’alma apaixonada
vem se ajoelhar!

O calor secando
o pranto da noite,
que molhou os campos
e beijou as flores,
são gotas de orvalho
que o sol, docemente,
com seus beijos quentes
faz nascer amores!

Este amor à terra,
que nasceu comigo,
moderno ou antigo
- para mim tanto faz -;
feliz de quem pode
semear amores,
para colher flores
no jardim da paz!

Se me perguntarem
por que amo tanto
o verde dos campos
e o meu céu azul,
é porque eu sou
Herdeira de Anita,
das rendas e chitas
dos Pagos do Sul!

(Jurema chaves)


MULHER GAÚCHA
Antônio Augusto Fagundes
Os velhos clarins de guerra
desempoeirando as gargantas
quero-querearam no pago.
E o patrão coronelado,
reuniu em torno parentes,
posteiros, peões e agregados.
Chegara um próprio do povo
trazendo urgente recado
que se ia pelear de novo
e o coronel, satisfeito,
dizia, fazendo graça:
"vamos ver, moçada guapa,
quem honra a estirpe farrapa
e atropela numa carga
por um trago de cachaça...Os velhos clarins de guerra
desempoeirando as gargantas


Um filho saiu tenente,
o mais velho - capitão,
um tio ficou de major.
(o pobre que passa o pior,
a oficial não chega, não:
o capataz foi sargento,
um sota ficou de cabo
e a peonada, e os posteiros,
ficaram soldados rasos
pra pelear de pé no chão...)

Carneou-se um munício farto
- vindo de estâncias vizinhas -
houve rações de farinha,
queijo, salame e bolacha,
se santinguando em cachaça
a sede dos borrachões.

E a não ser saudade e mágoa
nada ficou pra trás
a garganta dos peçuelos
misturava pesadelos
sanguessugando, voraz,
cartuchos e caramelos,
o talabarte e o pala,
bolacha e pente de bala,
fumo e chumbo - guerra e paz...
No humilde rancho de um posto,
um moço encilhou cavalo
beijou a prenda e se foi.
Na madrugada campeira
luzia a estrela boieira
sinuelando o arrebol
e as barras de um dia novo
glorificavam o horizonte
lavando a noite defronte
com tintas de sangue e sol.

E durante largo tempo
ficou a moça na porta
olhando a estrada, a chorar,
sem saber porque o marido
tem que partir e lutar,
não entendia de guerra!
Pobre só votam em quem mandam
e desconhece outra coisa
que não seja trabalhar.

Então a moça franzina
tomou uma decisão!
Esqueceu delicadezas,
ternuras de quase -noiva
e atou os cabelos negros
debaixo de um chapelão
e se atirou no trabalho,
cuidando da casa e campo,
do gado e da plantação.

Emagreceu e tostou-se
e enrijeceu como o aço!
Temperando-se na luta
madurou-se como a fruta
que é torcida no baraço.

Montou e recorreu campo,
botou vaca, tirou leite
e arrastou água da sanga.
Fez do tempo a sua canga
no lento girar do dia
e quando as vezes parava
comovida, acariciava
o ventre, que pouco a pouco
se arredondava e crescia.

Só a noite, quando cansada
fechava o rancho e dormia
seu homem lhe aparecia:
ora voltava da guerra,
ora peleava - e morria!...
Que triste o rancho vazio
nas longas noites de frio
ou nas tardes de garoa!
Que medo de ir a estância!
(e ao mesmo tempo, que ânsia
de saber notícia boa!)
Vizinha perdera o filho.
pra outra, fora o marido.
E um dos que tinham, morrido,
um moço, que era tropeiro,
quando feito prisioneiro
tinha sido degolado
sem nenhuma compaixão.
E até um filho do patrão
se ensartara numa lança
em meio a uma contradança
de berro, tiro e facão.

E o fulano? Que fulano?
Aquele, que era posteiro!
Moço guapo! No entrevero
é como um raio a cavalo.

Trezontonte levou um pealo
mas é sujeito de potra:
já está pronto pra outra,
sempre disposto e faceiro.

E a moça voltava ao rancho,
tão moça ainda, e tão só!
E quando fitava a estrada,
só via o vazio do nada,
o nada o silêncio e o pó.

Não sabe quem vem primeiro,
se vem o pai, ou o filho.
E os seus olhos, novo brilho
roubaram de dois luzeiros.

Cada noite, cada aurora,
vai encontrá-la a pensar:
quando o marido voltar,
de novo estará bonita
- novo vestido de chita
e novo brilho no olhar.
E quando o filho chegar,
quantas cargas de carinho
carretearão os seus dedos!
Quantos e quantos segredos
sussurrarão, bem baixinho!
E para ele, os passarinho
cantarão nos arvoredos...

Qual deles chega primeiro?

E se um deles não chegar...?

Mas a guerra segue além,
o filho ainda não vem
e ela a esperar e a esperar!...

Bendita mulher gaúcha
que sabe amar e querer!
Esposa e mãe, noiva e amante
que espera o guasca distante
e acaba por compreender
que a vida é um poço de mágoa
onde cada pingo d'água
só faz sofrer e sofrer.

A LENDA E A PRENDA
Dimas Costa
Das raças que se fundiram
Criando a nossa feitura,
Eu tenho a fibra e o sangue
Que me faz ser uma Prenda
Pois tenho resquícios de lenda
Na minha própria figura.

A bugra foi a mulher
Daquela raça nativa
Que acabou sendo cativa
Do branco que aqui chegou.
E nessas paragens pampeanas
Quantos instantes sensuais
Não tiveram os ancestrais
Do homem que me gerou.

E nessa miscigenação
De cruzamentos selvagens,
Formou-se nestas paragens
A família primitiva.
Por isso me sinto as vezes
Encarnando a viva estampa
da mulher, filha do Pampa,
Austera, rija e altiva.

Quando derramo as lágrimas
Brotadas duma paixão,
E o meu chucro coração
Com emoção corcoveia;
Quem sabe se não encarno
OBIRICI a Virgem Vencida,
Que verteu lágrimas sentida
Formando o Passo da Areia.

Ou quem sabe se a minha alma,
Toda em fogo consumida,
Não revive aquela vida
Que morreu numa fogueira:
E minhas faces coradas
E os meus lábios de rubi,
Relembram a índia ANAHÍ,
Que é a flor da corticeira.

E outras bugras sacrificadas
Em holocausto ao amor,
Que hoje são rios ou são flor,
Dessas lendas do rincão,
Me deram a alma e os anseios
Pra ser a imagem rediviva
Da mulher gaúcha, nativa,
E ser Prenda da Tradição!

CAMPEIRA MULHER
Egiselda Brum Charão
Feito as filhas de Tupã
fui trazida pelos ventos.
Sou a mulher pioneira,
sou peona galponeira,
seiva da estirpe campeira.
Cresci dormindo ao relento
desta terra abagualada.
Fui sinuelo pela estrada,
demarquei novas fronteiras.

Ao giro dos cata-ventos,
vi surgir a raça nova
para as horas do futuro.
Em louvor a esta terra,
fui grito dos esquecidos
em dias de desalentos.
Nas tristes noites de calma,
brotavam, do subconsciente,
velhas rezas avoengas
sofrendo dentro d'alma.

Também fui mescla de sangue
da pura cepa caudilha
e no estertor farroupilha
fui amparo das trincheiras
forjando a estampa guerreira
timbrada ao sol curunilha.

Fui molde da fibra altaneira
levando no peito a bandeira
dos entreveros de guerra.
Me temperei nas invernias,
suportei brabos mandados.
Nas inquietas calmarias
- ao retinir das esporas -
fui as prosas galponeiras
no lusco-fusco da aurora.

No chimarrão, à tardinha,
amarguei a solidão.
Num fado imaginário
fui esteio para as casas
- tapera no coração -
E nas contas do rosário
rezei as dores sofridas,
chorei misérias sentidas
na dura faina da vida.

Meu suor foi vertente rasa
em dolente singeleza.
Andei minguando asperezas
pelos confins do rincão
e trago a face marcada
pelo sulco das tristezas,
- como coxilhas lavradas
ao sol-a-sol do meu chão.

Tranquei meu rumo solita,
levando o pago nos tentos.
Ao calor do fogo votivo
semeei o sangue nativo
da nova raça aflorada:
- numa tristeza pungente
do barbarismo primitivo, -

Vivendo em muitas eras,
fui saudade nas esperas,
entre arado, gado e fogão,
plantando novas quimeras
pra uma nova geração.
Fui mulher guapa, na essência
e na alvorada do pampa
me transformei em querência
pela força das minhas mãos!

FLOR GAÚCHA
Neste meu jeitinho simples
de uma prendinha campeira,
bem delicada e faceira,
igual à flor da campina,
suave como a neblina
da minha terra altaneira;

gaúcha, flor brasileira,
tenho a beleza dos campos,
o brilho dos pirilampos
nos meus olhos de menina;
e a pureza cristalina
transmitindo meus encantos.

Adoro tudo que vejo
nesse meu pampa querido:
os campos reverdecidos,
o vento frio, a geada,
raios da lua prateada
e a primavera florindo.

Apesar de pequenina
carrego no coração,
transbordando de emoção,
retalhos de um céu azul:
é o meu Rio Grande do Sul
com o gosto do chimarrão!
  Autor: Jurema Chaves
Flor gaúcha
Neste meu jeitinho simples
de uma prendinha campeira,
bem delicada e faceira,
igual à flor da campina,
suave como a neblina
da minha terra altaneira;

gaúcha, flor brasileira,
tenho a beleza dos campos,
o brilho dos pirilampos
nos meus olhos de menina;
e a pureza cristalina
transmitindo meus encantos.

Adoro tudo que vejo
nesse meu pampa querido:
os campos reverdecidos,
o vento frio, a geada,
raios da lua prateada
e a primavera florindo.

Apesar de pequenina
carrego no coração,
transbordando de emoção,
retalhos de um céu azul:
é o meu Rio Grande do Sul
com o gosto do chimarrão!

Autor: Jurema Chaves

GAÚCHA GUERREIRA
(Salvador Lamberty)

Em cada um desses livros,
que abordam coisas do Pampa,
logo encontramos a estampa
de um gaúcho destemido,
homem de brio, aguerrido,
que soube alargar fronteiras,
mas não falam da parceira,
que acompanhou seu marido.


Falam muito na bravura
dos soldados nas trincheiras,
mas onde estão as guerreiras
que povoaram esta terra?
No Litoral, Pampa e Serra
nunca lhes dão importância.


Mas quem defendeu a estância,
durante os tempos de guerra?

Certamente uma heroína,
lá na memória do tempo.
Sem medalha ou monumento,
satisfaz a indagação:
- e aquele fuzil na mão,
daquela mulher bonita?


Foram tantas as Anitas
semeadas por este chão!

Enquanto o homem peleava,
em seu instinto carancho,
a mulher guardava o rancho
dos saques, pelas guerrilhas;
cavalgando nas coxilhas
ela se fez sentinela,
sem esquecer das panelas
e a proteção da família.


Desde a Índia Ponain
à prenda contemporânea,
tanto a que veio da Espanha,
nativa ou de Portugal,
da Polônia ou da Alemanha,
seguiram tantas campanhas
vestindo nosso ideal.


A mulher se fez presente
nas lutas por nossa terra,
simbolizada em Ana Terra
e Bibiana Cambará.
No passo do Jacaquá
a História fala tão pouco,
mas não foi só o Cabo Toco
que peleou no Caverá.


Na voz da mulher gaúcha
peço reconhecimento,
para puxar mais um tento
do Laço da Tradição.
Que acenda a luz da razão,
o erro não continue
e a mulher se perpetue
na História deste meu chão!


MULHER GAÚCHA
Antônio Augusto Fagundes
Os velhos clarins de guerra
desempoeirando as gargantas
quero-querearam no pago.
E o patrão coronelado,
reuniu em torno parentes,
posteiros, peões e agregados.
Chegara um próprio do povo
trazendo urgente recado
que se ia pelear de novo
e o coronel, satisfeito,
dizia, fazendo graça:
"vamos ver, moçada guapa,
quem honra a estirpe farrapa
e atropela numa carga
por um trago de cachaça...Os velhos clarins de guerra
desempoeirando as gargantas


Um filho saiu tenente,
o mais velho - capitão,
um tio ficou de major.
(o pobre que passa o pior,
a oficial não chega, não:
o capataz foi sargento,
um sota ficou de cabo
e a peonada, e os posteiros,
ficaram soldados rasos
pra pelear de pé no chão...)

Carneou-se um munício farto
- vindo de estâncias vizinhas -
houve rações de farinha,
queijo, salame e bolacha,
se santinguando em cachaça
a sede dos borrachões.

E a não ser saudade e mágoa
nada ficou pra trás
a garganta dos peçuelos
misturava pesadelos
sanguessugando, voraz,
cartuchos e caramelos,
o talabarte e o pala,
bolacha e pente de bala,
fumo e chumbo - guerra e paz...
No humilde rancho de um posto,
um moço encilhou cavalo
beijou a prenda e se foi.
Na madrugada campeira
luzia a estrela boieira
sinuelando o arrebol
e as barras de um dia novo
glorificavam o horizonte
lavando a noite defronte
com tintas de sangue e sol.

E durante largo tempo
ficou a moça na porta
olhando a estrada, a chorar,
sem saber porque o marido
tem que partir e lutar,
não entendia de guerra!
Pobre só votam em quem mandam
e desconhece outra coisa
que não seja trabalhar.

Então a moça franzina
tomou uma decisão!
Esqueceu delicadezas,
ternuras de quase -noiva
e atou os cabelos negros
debaixo de um chapelão
e se atirou no trabalho,
cuidando da casa e campo,
do gado e da plantação.

Emagreceu e tostou-se
e enrijeceu como o aço!
Temperando-se na luta
madurou-se como a fruta
que é torcida no baraço.

Montou e recorreu campo,
botou vaca, tirou leite
e arrastou água da sanga.
Fez do tempo a sua canga
no lento girar do dia
e quando as vezes parava
comovida, acariciava
o ventre, que pouco a pouco
se arredondava e crescia.

Só a noite, quando cansada
fechava o rancho e dormia
seu homem lhe aparecia:
ora voltava da guerra,
ora peleava - e morria!...
Que triste o rancho vazio
nas longas noites de frio
ou nas tardes de garoa!
Que medo de ir a estância!
(e ao mesmo tempo, que ânsia
de saber notícia boa!)
Vizinha perdera o filho.
pra outra, fora o marido.
E um dos que tinham, morrido,
um moço, que era tropeiro,
quando feito prisioneiro
tinha sido degolado
sem nenhuma compaixão.
E até um filho do patrão
se ensartara numa lança
em meio a uma contradança
de berro, tiro e facão.

E o fulano? Que fulano?
Aquele, que era posteiro!
Moço guapo! No entrevero
é como um raio a cavalo.

Trezontonte levou um pealo
mas é sujeito de potra:
já está pronto pra outra,
sempre disposto e faceiro.

E a moça voltava ao rancho,
tão moça ainda, e tão só!
E quando fitava a estrada,
só via o vazio do nada,
o nada o silêncio e o pó.

Não sabe quem vem primeiro,
se vem o pai, ou o filho.
E os seus olhos, novo brilho
roubaram de dois luzeiros.

Cada noite, cada aurora,
vai encontrá-la a pensar:
quando o marido voltar,
de novo estará bonita
- novo vestido de chita
e novo brilho no olhar.
E quando o filho chegar,
quantas cargas de carinho
carretearão os seus dedos!
Quantos e quantos segredos
sussurrarão, bem baixinho!
E para ele, os passarinho
cantarão nos arvoredos...

Qual deles chega primeiro?

E se um deles não chegar...?

Mas a guerra segue além,
o filho ainda não vem
e ela a esperar e a esperar!...

Bendita mulher gaúcha
que sabe amar e querer!
Esposa e mãe, noiva e amante
que espera o guasca distante
e acaba por compreender
que a vida é um poço de mágoa
onde cada pingo d'água
só faz sofrer e sofrer.



 



8 comentários:

  1. LINDAS AS POESIAS! PARABÉNS PELO BLOG

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  2. Parabens... muito lindo.
    Adoro a poesia resumo de loga historia de Dimas Costa.
    por acaso você tem?

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  3. Boa tarde, você não tem a letra da poesia "O Casal" de Dimas Costa?

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  4. Alguém tem a poesia "Prenda Farroupilha" de Dimas Costa

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  5. Emocionado, chorão como sempre, faço costado para esses versos em defesa e homenagem à mulher.

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